quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sérgio Dias.



Acho que o que pintou naquele encontro com Sérgio Dias foi o fato de eu não saber quem ele era e ele não sabia quem eu era. Éramos uma banda, pra falar a verdade, mas aqui eu digo por mim. Foi o tipo de acontecimento em minha vida tão surreal que até parece que não aconteceu. Não tiramos uma foto sequer (ele não gostava de tirar fotos com as roupas de casa). 

Você, fã dos Mutantes, saiba que ali no apartamento na avenida Angélica, em sampa, onde o Sérgio morava, havia verdadeiras relíquias espalhadas pelo pequeno apartamento. Objetos, fotos e histórias, todas retratadas com a maior paciência pelo Sérgio quando era questionado. 

- O que você acha disso? O que você acha daquilo? Que foto é essa? Quem é esse? Esse disco, o que é? O que quer dizer essa música? 

Sérgio usava uma calça moletom, uma camisa qualquer surrada. Acordava quase pontualmente as 14h. Não admitia que sua filha, a Virgínia, cometesse o mesmo deslize...

- Eu sou músico, porra! Ela não. Vai dormir cedo e acordar cedo!

Virgínia, por sinal, uma garota que, na época tinha seus 15 anos, muito prestativa, muito conversadeira. Olhava nosso cigarro de tabaco e perguntava "como é que vocês conseguem colocar esse veneno para dentro?" A vimos apenas uma vez nos dois meses que frequentamos semanalmente a casa de Sérgio. 

Vinícius Junqueira - conhecido como Animal - era uma espécie de auxiliar de estúdio. Ia para lá e pra cá, sempre aos berros carinhosos do Sérgio quando precisava de algo: "ANIMAAAAAL". Aparecia em segundos. O que entendi foi que era como um estagiário.... O estágio acabou virando profissão, e ele é o baixista dessa nova onda do Mutantes pós Zélia Duncan. 

Lurdinha - a esposa - uma das mulheres mais divertidas que já conheci. Me deu um puta conselho uma vez.... Eles estavam preparando o lançamento de "Estação da Luz", do início dos anos 2000... Havia uma canção (há), La Famme Lurdina, que é uma das minhas preferidas, e o Sérgio colocou para eu ouvir. Comentei com a Lurdes que a canção era linda e que eu tinha uma também para  minha namorada da época, mas não queria mostrar. Ela disse "nunca perca a oportunidade, você pode se arrepender, não deixe passar". Não lembro se segui o conselho na época, mas nunca mais esqueci isso e sempre tento dar esse brilho na minha vida. 

Foi a época que conheci os Beatles. O Sérgio me falou deles. Havia um livro de gravuras lindão autografado por George Martin. Havia uma palheta do Les Paul num canto. A Stratocaster dele disputando atenção com a Gretsh Chet Atkings (a modelo do George Harrison). E, claro, ali, paradona, soberana, cheia de mistérios: a Régulus. Cheguei a pegar a guitarra nas mãos, mas tomei esporro. Aliás, Sério era mestre em dar esporros. Esporros que faziam todo o sentido. Nos educou em alguns aspectos de nossas vidas. 

As histórias contadas com um certo brilho no olhar. Histórias averiguadas depois no google, para ver se o cara não era maluco, pois, como eu disse, eu não fazia ideia de quem ele era. Imaginem eu pegando na Régulus, ignorando o que aquilo representava. Uma foto pessoal de Arnaldo Baptista em cima do piano de cauda. Histórias sobre a loucura que seu irmão foi parar. Conversas sobre drogas, religião, Deus, política. O que havia por de trás de Balada do Louco, e eu perguntando "que música é essa?". Ele se amarrava nisso... Havia ali coisa a ser lapidada. Pegou na guitarra e tocou a canção e eu a ouvi pela primeira vez assim. "Sabe tocar piano, Sérgio?". Sempre, com toda desenvoltura de um foda, senta e toca My Love, de Paul McCartney, para o meu deslumbre - também a ouvindo pela primeira vez. Ia para casa, puxava no Napster tudo dos FAB. Ia para o Sérgio, pegava o violão e dizia "olha o que eu tirei": This Boy. Ele: "Porra, essa é do caralho" e sentava com um outro violão e tocava junto e cantava junto, fazendo as vozes. Outra vez, também, em que descobri Oh Darling e pedi para ele me mostrar como se tocava. Só que ele cantou junto e nunca mais vi ninguém fazer o "when you told me..." na minha frente com a mesma porrada que ele fez - minha sobrancelha foi ao mais alto nível de minha testa. Ele disse "não vem da garganta, meu caro... vem de dentro, da alma, do espírito... é só acreditar que você consegue fazer". 

Aliás, do caralho era o seu melhor palavrão. Quando a coisa era muito, muito foda, era do grande caralho

Cheio de bagagem. Uma pessoa comum. Peculiar. Ali há apenas a áurea dele sobressaindo sobre todos. O intuito era gravar 2 canções produzidas por ele. Rolou, até rolou. Mas achávamos que isso ia dar em algo, pelo nome, sei lá... Alguém havia dito que isso seria bom para o nome da banda. Mas o que acabou ficando mesmo foi o convívio com as semanas que passamos lá. Ensinamentos que eu absorvi de tal forma que acho que devo alguma coisa a ele. Meu descontentamento é pensar que ele nem lembra de mim, e que as pessoas podem achar que isso nunca aconteceu - até eu mesmo duvido de vez em quando. O Sérgio é um grande cara, que foi um grande amigo por dois meses. Nos despedimos em um show dele, e se eu soubesse que seria a última vez que eu o veria, se e soubesse que eu iria virar um lunático por Mutantes, se eu pudesse agradecer... 

Grande Sérgio. Se você ler isso, cara, SALVE!

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