quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

The Endless River




Ando sacando essa coisa de energia. O ano inteiro eu debati sobre isso com qualquer um que se encaixasse no papo. Coisa científica ou não, essa parada de energia existe. Ponha o dedo na tomada e você vai entender. Tome um banho de cachoeira e você vai sentir. Algumas coisas são difíceis de descrever, porque a gente sente. Por exemplo um bumbo na mixagem de uma música. Você passa a ouvi-lo acima dos médios graves. Os sub graves você sente e daí pra frente se tem uma tremenda dificuldade em executar com exatidão esse instrumento da bateria. O show de David Gilmour está sendo difícil de descrever. 

Li alguns artigos e resenhas sobre o acontecimento. O produtor dele disse que o dia 12/12/2015 foi o melhor show de todos os tempos. No UOL analisaram a técnica e a história do guitarrista/cantor do Pink Floyd. Vi uma aí de um cara falando merda das pessoas que pareciam não ter o mesmo conhecimento que ele sobre a obra da banda britânica (na verdade ele só quis dizer o quão ele é foda em conhecer isso ou aquilo e blá blá blá). Conhecimento serve para encantar. David nos encantou. 

Passados dez minutos das 21h, as luzes do estádio do Palmeiras se apagaram e toda a energia canalizada foi liberada. David Gilmour, um senhor com veias saltitantes nas mãos e papo mole branquelo com barba a fazer, surge pequenininho. Veste preto e podemos senti-lo aparecendo no palco. Pra quem, como eu, estava longe, compreendíamos que ele estava ali pelo barulho maravilhoso de uma multidão feliz da vida. Ouve-se o timbre inconfundível. O mesmo dos DVD's, dos discos, dos videos do You Tube. Eu assistia tudo isso a minha vida toda a partir da descoberta do Floyd e pensava "será que um dia vou ver isso?". O sonho estava sendo realizado. 

O delay da guitarra que saía da PA entregava a vitória. O triunfo. David Gilmour estava na minha frente e ao meu lado 40 mil mentes - algumas dispersas, sim, mas outras penetrantes. A sensação ainda é de insegurança. Estou sonhando? A percepção é técnica. Gilmour entoa três canções do seu último disco - o qual eu ouvi PRA CARALHO - e me ligo no som, na luz, na banda, na dinâmica. O show de Gilmour - como nos discos do Pink Floyd - em alguma vezes é baixinho, suave. Em outras vezes uma ensurdecedora massa sonora. 

Então ele toca Wish You Where Here e eu desperto. Gilmour aparece no telão pela primeira vez. Me toco que, de fato, há um deus na minha frente. Desabo como os fanáticos religiosos fazem na igrejas. Aquela é minha igreja. A gente está louvando - não ao homem - mas à arte e à música. Choro que nem criança e abraço minha amiga Giovana e meu novo caro Ramon. A gente se brinda pela eterna lembrança que ali está sendo construída. "How i wish! How i wish you where here!" entoa o estádio. Penso em Berret, em Mason, em Richard e Roger. Penso em mim. Quantas vezes ouvi isso na minha vida e desejei a aparição de um deus do rock?

Daí pra frente é loteria ganha. Felicidade eterna. Money deixa claro sobre ao que o Pink Floyd veio: grana existe e é inevitável, mas não é fonte da verdade. O babaca que gritou "fora Dilma" no banheiro não entendeu nada dos discos. Us And Them é avassaladora. A voz de Gilmour parece não ter sofrido um arranhão sequer.. Ele grita no refrão junto de seus apoios vocais. Mesmo com dois puta backing vocal eu consigo distinguir a inconfundível dicção vocal de Gilmour. 

High Hopes com o violão de nylon tocado no dedo. Nos deixa com o intervalo de 20 minutos e volta arrebentando a boca do balão com Astronomy Domine. Nesse momento eu estou praticamente de frente para o PA. Time e Run Like Hell são momentos de uma assustadora intimidade com a guitarra. Nunca vi nada igual na minha vida. vida. E nunca vou ver. A básica Fender Stratocaster (comprada em 1970) vira um avião na mão do cara. Não houve um sequer errinho humano. Nada! Todas as notas são perfeitas. Todos os bends são exatos. Não há ninguém me minha mente, nesse exato momento, que toque aos pés de David Gilmour. Eu sempre soube que ele era incomparável. 

E o fechamento dos fechamentos. A chave de ouro. Comfortably Numb nunca foi uma das minha preferidas - assim como Creep do Radiohead só foi me pegar no show deles - a faixa do The Wall é o resumo do show de Gilmour. Começa com dinâmica, baixinha, e vai subindo, subindo, subindo, e chega no mar da claridade eterna. Em meio ao solo de guitarra a banda vai se mostrando porque foi contratada. A cada volta de compasso o batera e o baixista arrebentam. Cada virada de tirar os pés do chão. O(s) tecladista(s) faz a cama de som para Gilmour passar. Após incansáveis repetições da sequencia final de acordes e solos, nossos mestre olha para a banda, faz um sinal com o braço da guitarra (mais rock and roll que isso, impossível) e eles terminam no si menor inesquecível. David Gilmour se despede da gente e diz "até a próxima". Será que para mexer com nossas esperanças? Ele volta e eu estarei lá. 

O Pink Floyd é eterno, um rio sem fim. The Endless River.

Foi muito gratificante. Foi uma demonstração de carinho.

Obrigado, David.