quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Sobre Palhetas



Essa semana fui na loja de instrumentos comprar uma coisa tão pequena mas tão útil que quando falta no meu porta níquel da carteira é desespero na certa: palhetas. Uso Dunlop 1,14mm para o baixo e 88mm para violão e guitarra. Comprei cinco unidades, para durar "pra sempre", é o que me diz minha ingênua consciência. No vai e vêm das coisas, palhetas se perdem como fios de cabelos nos travesseiros. Ou isqueiros (o hábito de acender um cigarro e colocar o isqueiro no bolso faz de você não um ladrão, mas um escravo do costume - e você acaba roubando sem querer o isqueiro de quem te emprestou. Quando tem festa lá em casa no dia seguinte a gente acha uns sete de todas as cores) de qualquer modo, estamos falando sobre palhetas - ou sobre coisas pequenas úteis que se perdem. Deixei dez mangos e fiquei pensando na época em que uma palheta custava cinquenta centavos.

Quando moleque fiz um colar e pendurei uma palheta da marca Fender na ponta, para deixar claro a todo mundo que eu era guitarrista (coisa de moleque bobo) - quem nunca? Um amigo meu na escola, Leopoldo Pardi, também usava um colar desses e eu perguntei que guitarra ele tinha. Ele me disse que tocava baixo. Eu, influenciado por algumas das babaquices que os pais dizem, ri da cara dele dizendo que baixo não se tocava com palheta. Meu pai dizia isso para mim e menosprezava músicos como Duff Mckagan, do Guns And Roses (minha banda preferida da época). Mais tarde, quando a gente começa a perceber que nossos pais não sabem tudo, fui sacar que alguns músicos tocavam seus baixos de palheta. Assim que vi Paul McCartney, truquei meu velho: "Mas o cara ae dos Beatles toca de palheta"... Ele não teve resposta e comecei a duvidar da verdade paterna. Para arrematar a coisa vi Sérgio Dias arrebentando no walking bass de palheta na mão direita. Já era, eu também tocaria meu contra baixo de palheta. Meu irmão me viu gravando uma trilha e me disse "cara, você toca igual o Paul né?". Respondi com um olhar desafiador somado da mais pura sinceridade: "é claro, ele é o maior do mundo". 




Na Oito Mãos meu nobre colega Leandro Publio me apelidou por um breve momento de "gnomo das palhetas". Toda vez que eu precisava mostrar alguma coisa na guitarra eu pedia a palheta dele. É claro que eu colocava no bolso assim que acabava a exibição, mas não fazia de propósito. Era a força do hábito. Aliás a coisa que mais se ouve quando há um show para acontecer é "ow, tem uma palheta aí?". Até os caras do Charme Chulo fizeram essa clássica pergunta ao Publio num dia que dividimos um palco.  Eu e meu caro Rafael Castro, da JB E Seus Amigos Sex Symbols, estávamos prestes a subir num palco quando ele me pediu para ficar com meu afinador eletrônico de braço. Eu disse "porra, você não tem um afinador?" Ele sacudiu a cabeça, meio sem graça. Em seguida fui vingado. "Ow, tem uma palheta sobrando ae?" Ficamos quites. 



Ainda falando sobre Oito Mãos e contra baixo, Felipe Bier é o contrário. Usa os dedos. Eu falava que isso era coisa de franguinho. "Usa uma palheta ae mano!", sempre indeferindo minha proposta. Apenas em Rosa, de Aliás, ele usou a palheta, e na gravação. Ao vivo ia no dedo mesmo. 

Certa vez estávamos num show dos Titãs, há anos, na festa do figo em Valinhos-SP. No fim do show Tony Bellotto jogou sua palheta num aglomerado de moleques. Meu amigo João Paulo saiu correndo, como um hobbit, ajoelhou e entrou por debaixo da galera. Eu não sei como - até hoje me pergunto - mas ele voltou todo eufórico com a palheta do cara nas mãos. Outra vez, com esse mesmo amigo, estávamos na primeira fila dum show dos Paralamas na Red Eventos. Era a apresentação do acústico e lá estávamos, batucando no chão do palco todos os arranjos do disco. No fim o Hebert me escolheu para dar a palheta amarela dele com o seu nome. Fiz um porta retrato desse objeto junto do ingresso do show e lá ficou por anos. Um dia eu tive que usar essa palheta (que estava na minha carteira, e era a única) destruí ela na hora. Ainda a tenho, partida, em algum lugar da minha vida. Outro cara que consegui a palheta foi Juninho Afram, mas foi uma decepção - o cara usa aquela Jazz 3, minúscula, ridícula. 




E teve uma vez também que eu estava no salão do Anhembi, na feira dos músicos (aff) eu e meu amigo Lucas Bocchese queríamos testar uns instrumentos, mas estávamos sem as benditas palhetas. Dando aquele rolê percebemos que tinha um tal João Alguma Coisa autografando cartões da marca da guitarra que ele representava e doando uma palheta para cada fã. Não pensamos duas vezes e lá fomos para  fila. Peguei a palheta e ainda emendei um "valeu,cara... sou te fã". Porra, que sacanagem. 

Por fim... Essa semana eu fui comprar pelhetas para durarem para sempre, como citei acima. E ao abrir a caixa onde ficam as pequeninas expostas, me lembrei da primeira vez que peguei uma palheta nas mãos. Meu pai tinha um amigo que chamávamos de Tio Paraná. Ele esqueceu uma palheta lá em casa, eu deveria ter uns oito anos. Era um objeto bem colorido, verde, azul, prata. Peguei na palma das mãos e fiquei viajando, sobre como legal seria usar aquele objeto... Mas primeiro eu precisaria aprender a tocar... 

Não é que eu aprendi?