segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Delírio e Destruição - Guilherme Moraes


Afinidade é metade do caminho para se produzir um disco. Eu e o Guilherme Moraes - o Guile, na escola; ou Hérnia, na faculdade - no esbarramos por causa do violão, é claro. Caso contrário, duvido muito que eu me envolveria com um cara perna de pau no futebol - o pior que já vi jogando. 

No terceiro ano de ensino médio do Colégio Batista de Campinas - exatamente no ano 2000 - o Guilherme estava no segundo, mas já tocava BRASILEIRINHO nos 220 bpm. Conhecia Bah e cantarolava pra lá e pra cá coisas do Chico Buarque, Djavan, Caetano e Gil. Daí eu repeti o 3° ano para provar para todo mundo que era sim possível repetir o último ano do ensino médio, e fui acabar estudando com ele e mais uma pá de gente boa que, alguns deles, até hoje são meus amigos. Mas esse post é sobre o Guile.

A gente sempre fez um som juntos. Numa gincana escolar caímos no mesmo time. Havia uma prova de música e tocamos Flor de Liz, do Djavan. Daí o outro grupo tocou e descobrimos algo terrível em comum - rir das coisas mal feitas. Coisa de moleque, é claro, mas que ainda fazemos sem perceber, ainda mais se tivermos sem o olhar acusador dos desocupados. 

De qualquer modo, começamos a fazer quase tudo juntos e ao mesmo tempo. Namorar, fumar cigarros, porres. Nosso humor podre era basicamente o mesmo. Guilherme gostava de fazer desenhos (nunca vou me esquecer do "Bicho de Pau Podre", do "Tiozinho Tarado do Pátio" e do "Pirulo Gozado - Uma Produção de Willie Wonkatarro"). Também sacaneávamos as minas escrotas e os caras escrotos (cochichando, é claro). Éramos moleques de primeira classe, desdenhando de nós mesmos por sermos uns puta zé ruelas. 

Anos mais tarde - bem mais tarde mesmo - o universo social virtual nos une novamente, num primeiro instante timidamente, via Orkut, migrando para o My Space somando com MSN MESSENGER. Foi aí que ouvi uma versão demo de "O Mar". De cara achei uma coisa peculiar, bem equilibrada, bem feito, de um puta bom gosto. Obviamente o cara que cantarolava Chico Buarque durante as aulas não faria qualquer coisa em seu trabalho autoral.

Guilherme estudou violão popular. Quando tá de saco cheio, esvazia descendo a porrada no violão 7 cordas. Tem uma afinidade incrível com a criação de solos de guitarra, levando as escalas quase a sério - com o pequeno detalhe de fazer exatamente do jeito dele. Apelidei-o carinhosamente de bunda mole - porque canta baixinho e toca baixinho. Foi preciso muito volume para captá-lo, talvez venha justamente daí a limpeza e o brilho de sua música. 

E - pasmem! - a maior banda de todos os tempos em sua opinião é o Led Zeppeling. O cara é roqueiro, ou roquenrou... Para ele, Jimmy Page é o "maior peidão de todos os tempos". Outra grande pérola é dizer "nada te impede de ser fã de Vinicius de Moras e ao mesmo tempo de Black Sabbah". Bem, pérolas é com ele mesmo. "Cara, músico é a pior raça que existe... Uns putas babacas metidos a besta punhetando ego de si próprio, falando mal disso e daquilo" ou "Oasis é uma merda" ou "A gente é foda" ou "bah, foda-se, ninguém vai ouvir isso aí mesmo" são o tipo de comentários que valem a pena passar horas dedicando seu preciso tempo para gravar as coisas dele. 

Nesse meio tempo conheço, através dele, Mariana Vasconcelos, outra bunda mole, pois acha que canta mal. Eu acho que ela tá de sacanagem. Sabe que, no fim das contas, canta pra caralho. Dona de uns olhos gigantescamente azuis e de cabelos que variam de cor de acordo com a estação ou de seu humor, Mariana é movida a vinho. Dê uma taça e ela canta com você. Dê duas e ela começa a pedir música. Dê três e ela canta alto o suficiente para o bar todinho parar o que está fazendo e aplaudir. Me lembro de dizer ao Guilherme "mas ela canta mesmo?", pois desde sempre era para a sua voz estar presente. E ele respondia "canta cara, é sério". 

Sempre fui desconfiado. Mas será? Falava para ele "a gente precisa fazer algo juntos", mas o meu instinto de artistas quase lá me davam uma adiada, sempre. Não sei explicar exatamente o que. Mas sei explicar exatamente o que me fez parar de adiar. Já no Facebook, Guilherme posta, via You Tube, um link de uma música dele, sob o título de "eu e minha capacidade de errar minha própria música". Tratava-se de "Senhora", um samba do crioulo doido feito por branco bunda mole querendo dizer tudo e mais um pouco para qualquer mulher que mereça esse título. De Senhora foi-se uma mensagem inbox - "cara, vamos gravar... tem mais música?". 

Ele tinha. Foi lá em casa e de cara mostrou "Acalanto". Uma quebra de tempo em seus compassos doidos. O mundo enigmático da genialidade morando no mesmo bairro que eu, e que lá em 2000 já mostrava suas veias poéticas, em desenhos, em sarros, nas notas das provas. Um cara extremamente inteligente e irritantemente humilde. Onde antes havia incerteza (será que há coisa boa aí?) hoje há a certeza absoluta de que a música merece atenção, um play e um replay. Ouça "Bonita" e entregue-se ao grude da coisa bem feita, do passo do guarda chuva, da guitarra axezeira quase nada a ver com rock and roll. Diga-me, de uma vez por todas, onde é que foram parar os apreciadores da boa música. Certamente estão por aí... Por aí...

O time: da esquerda pra direita - Ítalo Antonucci (percussão), Mariana Vasconcelos (voz), eu (produção e mais umas coisas) e Guilherme Moraes (o cara). 


Afinidade é metade do caminho para se produzir um disco. A outra metade é baseada em afinidade também, depois de conhecida as canções. O respeito mútuo pelo produtor. A capacidade de vetar a ideia do produtor (exatamente quando esse produtor está viajando demais). Tomar a decisão de não chamar nenhum baterista de verdade para não acimentar o trabalho (fãs de Aron Spears e Dave Weckl e CIA, me perdoem, mas acho que vocês não entenderiam). Tinha que ser um fã do Ringo Star e suas viradinhas para se fazer o samba manco de "Senhora" (as senhoras mancam, na maioria das vezes), o frevo atrasado de "Bonita", o ataque maloqueiro e preguiçoso de "Multidão". É rachando a pedra que lapidamos o diamante. Pode demorar o tempo que for, mas no fim das contas é sempre um grande prazer ter seu nome associado a um trabalho tão bonito. Não há outra palavra - BONITO.

Muito bonito.


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