sábado, 29 de outubro de 2011

Felippe Pompeo lança o SOL.

O título é um tanto pretensioso ou duplamente sensitivo. Mas é claro que Felippe não lançou o astro rei. Mas nos daremos a liberdade para introduzir esse texto, usufruindo da licença poética ou artística. Ultimamente andam falando muito de arte, tentando conceitualizá-la num rótulo disso ou aquilo, como se ser artista fosse uma coisa para poucos ou para escolhidos. Felippe parece ter a visão curta e grossa sobre o assunto: "Isso tudo é besteira. Mas não me pergunte o que eu acho que é arte, porque vou estar caindo em contradição. Para mim é o tipo de coisa que não se conceitualiza". Um curto espaço de tempo separa o lançamento de "Esperanto", seu último disco, ao de hoje, intitulado "Sol". Em nossa última entrevista, Felippe nos recebeu na casa de seus pais, um tanto atento às criticas sobre seu trabalho lançado em março de 2011, onde foi escrachado por causa de um mal entendido a cerca do nome Esperanto e do propósito do disco em falar sobre Deus, coisa que, para ele, ninguém entendeu. Dessa vez ele nos recebeu em sua nova casa, onde mora com sua companheira de longas datas, a jornalista Silvia Montico, um lugar charmoso e aconchegante no distrito de Joaquim Egídio. A cadela Maria Bethania - uma vira lata marrom - parece se entusiasmar com a chegada de nossa equipe. Felippe vestia uma bermuda manchada de cloro e uma camisa branca que mal parecia caber nele. 

Os Blocos de Cimento - Dá a impressão de que você é um viciado em trabalho. Esperanto é de março. O Sol foi lançado sete meses depois. Dois discos em um ano é um tanto desafiante...

Felippe Pompeo - É só uma impressão. Na verdade tem dia que tenho vontade de jogar tudo no lixo, meus equipamentos, minha disposição. Gosto mesmo é de não fazer nada. Ficar sentado na sala olhando pro teto ou deitar na cama e deixar a vida passar. É uma ilusão a coisa de amar o trabalho. Acredito que realmente existam pessoas que amam o que fazem, assim como eu. Mas trabalho é trabalho, e tudo que dá trabalho na maioria das vezes vira um saco. No caso desses discos, é um trabalho não remunerado, onde a coisa se complica, pois o meu tempo e disposição são colocados no meu trabalho remunerado, e quando tenho que fazer essa coisa que tão chamando de arte, eu estou muito cansado e sem vontade de querer mudar a vida das pessoas. Eu não sou viciado em trabalho, eu apenas sinto a necessidade de fazer isso. Parece que sou obrigado, existe uma força maior que não me deixa mandar tudo ir a merda. Porque, cara, deu muito trabalho criar e realizar o Sol. O disco vem sendo feito há 4 anos. Decidi lançar o Esperanto antes porque era mais fresco o tipo de coisa que eu estava compondo e porque ele é um disco menos experimental, se é que isso é algo para ser levado a sério. Os dois serem lançados no mesmo ano é uma coincidência que eu não tinha percebido.

Os Blocos - Você faz música para mudar a vida das pessoas?

Felippe - (pensativo) Se eu te falar a razão de eu fazer música, vou estar mentindo ou equivocado. É uma parte de mim que compartilho com quem estiver disposto a recebê-la. É a minha parte dócil, se é que posso dizer isso. Grandes artistas mudaram a minha vida sim, no sentido de antes e depois. Antes de ouvir The Dark Side of The Moon (Pink Floyd) eu era uma pessoa, depois eu me transformei em outra, por mais que eu seja a mesma pessoa, a informação que entrou na minha mente nunca mais me abandonou. A experiência de se ouvir um disco desses é de fato reveladora. Um sorriso, um arrepio, uma lágrima. Eu ouço música para me deixar de pau duro, ouço um som para me revelar a verdade sobre os meus sentidos, tudo ao mesmo tempo. Para mim não há nada mais puro do que a música. Se eu conseguir fazer isso nas pessoas que me ouvirem, acredito que mudei a vida delas sim. Se para sempre elas se lembrarem da experiência de ouvir o Sol, acredito que para sempre se lembrarão de mim. Acredite, não é pretensão, é necessidade de compartilhar o amor que há dentro de mim, querer compartilhar essas coisas que martelam na cabeça. 

Os Blocos - Falando nisso, o disco é dedicado a Brain Wilson e Roger Waters.

Felippe - Pois é justamente o que estou te dizendo. Esses caras mudaram mesmo o meu jeito de enxergar um disco. Não é apenas um emaranhado de canções bem trabalhadas e mixadas, onde o bumbo bate forte e o baixo tem aquele som que todo mundo comenta depois. Brian Wilson escreveu Smile, que demorou quarenta anos para vir a tona de fato, um trabalho que fez as pessoas pensarem que ele estava louco, que ele se entupiu de comprimidos e drogas e se trancou no seu espaço vazio interno. De louco, o senhor Wilson não tem nada. Se você ouvir o Smile, vai perceber que muitas vezes você vai querer jogar seu aparelho de tocar música no esgoto, mas também vai querer apertar a mão de Brian e abraçá-lo depois que você compreende o conceito do álbum. Quando meu amigo Thiago me trouxe o The Wall para ouvir, me lembro bem cara, puta merda... Apertei o play, e começa aquele sonzinho baixo, fui aumentando o volume, aí vem aquele BUM de In The Flesh?, eu não acreditava no que estava ouvindo. Todo o conceito do muro está ali, esteticamente, numa soma de sons, melodias e palavras. Aí você vai ver os créditos, está lá "escrito por Roger Waters". Foi aí que pensei, depois de ouvir esses dois discos, nessa ordem, preciso fazer algo desse jeito. E foi assim que escrevi o Sol. 

Os Blocos - Você diz em "Simplesmente Seja" que se espelha em gênios. 

Felippe - E eu só quero ser um deles... (risos). Não sou hipócrita, de fato eu quero fazer parte do hall dos gênios, mas isso não é um título que se consegue numa faculdade ou coisas desse tipo. É um desabafo mesmo. E quem é que te elege um gênio? Tem gente que adora me lembrar que depois que morremos é que vamos ser lembrados. Tem gente que adora me lembrar que não nada e que ninguém sabe quem sou eu. Eu sei disso, oras bolas. Acima de todo mundo, eu sei que não sou ninguém. Acho que incomodo as pessoas pelo meu jeito carrancudo e pelo fato de ter um certo conteúdo. Antigamente eu achava todo mundo merda. Hoje eu acho que todo mundo têm o direito de se expressar, de um modo bom ou ruim, e esse modo é relativo. A coisa da qualidade, sabe... E, cara, quando eu gosto de algo, eu me apaixono. Vou e rasgo ceda para a pessoa. Ainda mais se é alguém daqui da cidade que está ao meu alcance, eu colo no cara e falo um pacote do quanto eu acho foda, etc... 

Os Blocos - Como foi o processo de composição do Sol? Porque demorou 4 anos?

Felippe - Demorou por falta de recurso mesmo. Eu tenho a demo do disco, que foi feito num Compac podre. Mas era a minha ferramente de trabalho. Eu lembro que dei os primeiros acordes de Luz, e fui cantando "eu vejo a luz no fim do túnel, eu vejo Sol no amanhã" e pensei "peraí, que túnel é esse? vamos lá, vamos ver onde vai dar". Já com o pensamento voltado para o disco conceitual, depois de ter ouvido Wilson e Waters, fui levando a coisa. Usei algumas coisas que já tinha escrito, como "Ele e Ela", e o conceito foi nascendo, foi dando liga. Depois ficou impossível separar os capítulos, tinha que ser assim. Não queria dar a liberdade ao ouvinte de poder pular uma música. É disso que se trata, não é uma ou seis canções, são 3 atos - que nem o Smile, só que o Smile é recortado. O Sol é chato por isso, porque tem que sentar e ouvir. Esqueça o que há em sua volta. Esqueça refrões ou se você acha que vai ficar cantarolando as canções depois. É um disco para prestar atenção. É um disco desafiante. E eu acho isso fascinante. 

Os Blocos - Dessa vez você fez quase tudo sozinho. Tem o teu irmão na bateria e foi dirigido por André Leonardo, do Oito Mãos.

Felippe - Nossa, eu adoraria ter uma equipe, uma banda de apoio, apoio mesmo, que me apoiasse. As pessoas não tem paciência comigo porque, na verdade, eu não tenho paciência com as pessoas. Essa coisa de produtor musical é só um nome, uma referência de trabalho. Não sou produtor, eu apenas gosto de estar presente no ambiente de gravação e criação. Eu queria dar a oportunidade pro meu irmão gravar em um disco e de tocar bateria de verdade, tocar para a música. Bateristas são complicados, porque é um instrumento tão intrigante que é preciso força moral e psicológica para simplesmente sentar e tocar, e não ficar fazendo malabarismo. Ele o fez. Me deixou falar para ele exatamente o que deveria ser feito e o que não deveria. Me deixa tão orgulhoso isso, meu irmão confiar no meu trabalho, no meu talento, e deixar um cara como ele, foda, que toca muito, ser dirigido por um lunático. Em apenas um momento do disco, na música Sol, lá no finzinho do terceiro capítulo, ele vai que vai. Foi até engraçado, ele disse no meio da gravação "mano, deixa eu fritar aqui, por favor"... abri outro canal da batera e ele se regravou, fazendo aquelas viradas doidas dele... Caguei de rir quando acabou o take, ele parecia um cavalo que foi solto num enorme pasto depois de ficar preso o dia todo. Acho que foi assim que fiz ele se sentir, preso. Mas foi bom, muito bom. Quanto ao André, alguém tinha que apertar o rec pra mim. Foi isso que ele fez, e deu os toques preciosos que só quem sabe dirigir uma gravação o faz. Como fui eu que produzi, ás vezes ele dava umas opiniões e eu dizia no microfone "sua sugestão foi indeferida". Acreditem, é engraçado de mais trabalhar com essas coisas.  

Os Blocos -  Você ainda é uma pessoa insegura? Você disse que era inseguro em nossa última entrevista quando lançou o Esperanto. 

Felippe - Você gostou do Esperanto?

Os Blocos - Gostei muito. 

Felippe - Que legal... Me dou melhor com a coisa da normalidade de não gostarem do meu trabalho do que antigamente. As pessoas que me vieram parabenizar pelo Esperanto disseram coisas tão bonitas. Mas as pessoas que escreveram coisas do Esperanto, pessoas que nem me conhecem, coisa da exposição máxima saca, me disseram coisas tão terríveis. Isso me fez não querer lançar o Sol para essas pessoas, porque daqui pra frente vou fazer música para meus amigos, as pessoas que me respeitam. Uma vez eu mostrei esse disco, e versão demo, para um amigo. Ele me disse que não era o tipo de som que ele gosta, mas que se espantou com a minha capacidade de composição. Porra, o cara não curtiu em tira o chapéu? É o respeito, né... Eu espero isso das pessoas. Por isso a insegurança. Mas ainda sou inseguro com a coisa da técnica, que ainda estou aprendendo. Mixar, meu camarada, é muito difícil, porque sempre vai ter um filho da puta para falar isso ou aquilo. Aí eu me espelho em gênios, e os filhos da puta que se fodam. 

Os Blocos - Você acha que tem fãs?

Felippe - Eu tenho sim. Uns seis ou sete. A essas pessoas eu tenho o meu profundo agradecimento por tudo que ando passando. Quando lanço um disco, eu me liberto, porque o processo me deixa pesado, é um fardo mesmo. Quando é lançado, fico livre. Mas procuro pelo novo fardo imediatamente.

Os Blocos - Já tem um disco novo para vir?

Felippe - Tenho até o nome, que se chamará Bravo, e quando dou um nome, ele fica. As músicas do Bravo estão prontas. Só estou pensando bastante em como fazê-lo e, assim, dar início ao processo. Só não quero demorar muito. Espero gravar, mixar e lançar o disco num espaço de tempo curto. Quem sabe ele não fica pronto em 2012? E tenho músicas antigas, que uma vez toquei num show exclusivo para amigos, esse show se chamou "Nós somos mais do que eu". Mas não pretendo gravar essas músicas tão cedo. Talvez o show dessas canções antigas já foi a experiência em si. 

Os Blocos - Então você não tem limites para a composição?

Felippe - Tenho sim. A morte. 

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