quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Entrevista



O dia estava chuvoso, típico de cidades próxima ao eixo de São Paulo. No dia 07/10/2009, Felippe nos recebeu em sua casa na cidade de Campinas. Com um humor equilibrado em extremos, Felippe respondeu às perguntas baseadas em seus medos, sonhos, fantasias, passado e futuro.

OS BLOCOS - Esperanto é um disco que fala sobre Deus. Você tem alguma raiz religiosa?

Pompeo – Sim. Meus pais meio que me obrigaram a freqüentar a igreja presbiteriana. Mas, como toda boa educação é válida, isso também foi válido pra mim. Mas não em questões esclarecedoras sobre Deus em si. Deus, na religião, é tratado como além de você. É, ao mesmo tempo, um pai bravo e uma mãe que te abraça. E não sai disso. É sempre a mesma questão de pecado, perdão, oração e a vontade de Deus. Coisas como livre arbítrio e trindade nunca foram bem esclarecidas na minha mente. Acho válido para algumas pessoas, mas pra mim deixou de fazer sentido. Mas ao mesmo tempo me fez pensar que existe alguém lá em cima, nem que seja pura e simples energia. Se essa energia me colocou no mundo e me faz ser o que eu sou, então acho que é digna de louvor.

OS BLOCOS – Você tocava no grupo de louvor da igreja não é?

Pompeo - Toquei baixo durante anos. Foi lá que acredito que desenvolvi minha técnica – limitada – da música. E foi lá que desenvolvi meu ouvido. Aquela coisa de ter que tocar um hino que o nego te apresenta vinte minutos antes do culto. Tinha que se virar. A gente se virava. Ás vezes eu pegava na guitarra também... Mas não gostava. Muita gente sempre disse que eu não sabia separar as coisas, a música do espiritual. Pra mim nunca houve diferença, músico que é músico toca com o próprio espírito. Tantas vezes senti a presença de Deus na hora da música nas igrejas, e tantas vezes não senti. Tantas vezes senti Deus num albergue público da cidade, e tantas vezes vi Deus nas árvores, nos animais, no tempo.

Os Blocos – Você fala de um jeito que parece que sente alguma aversão pela igreja.

Pompeo – Muito pelo contrário. Tenho amigos de lá, mas também tenho amigos aqui, no que eles chamam de Mundo. Tenho um lindo passado na igreja, e não sou do tipo que renego o meu passado. A única coisa que me deixa meio bolado é que lá eu fui muito criticado por eu ser eu mesmo, e no “mundo” eu nunca fui criticado por isso. Os meus grandes amigos sempre me apoiaram em minhas viagens, decisões, vontades. E sempre oraram por mim, o que é natural, já que é nisso que eles crêem. Sempre haverá um ritual. Eu tenho os meus, você tem os seus, e assim vai. Só acho que a galera devia se ligar mais e se preparar para o progresso, se não vão perder pessoas brilhantes, como já vi acontecer. Não é preciso estar na igreja para agradecer a Deus, ainda mais quando Deus vira algo na sua mente completamente diferente do que a igreja prega.

Os Blocos – Falando de coisas não resolvidas... E os Lucidas?

Pompeo – O que você acha que tem de não resolvido nisso?

Os Blocos – Muito se falou depois que a banda acabou, que você não olha mais na cara do Túlio (guitarrista fundador), que você odeia o Hally Ho (banda em que o Túlio entrou depois), etc...

Pompeo – As pessoas gostam de falar. Isso é natural. Eu acho isso um barato. Mas quem sabe realmente o que aconteceu sou eu, minha família, minha namorada, o pessoal envolvido na banda, e só. E isso só me diz respeito. Mas o que posso dizer é que houve um mal entendido, tanto da minha parte, quanto da parte dele. Da minha parte posso dizer que o Lucidas , bem no fim da carreira, tomou um rumo que me agradava. Eu queria tocar mais as canções do disco e já ligava o foda-se para as pessoas que não dariam a mínima para isso nos shows. Temos 3 discos gravados: “Abrindo o Caminho”, “Demo #2” e “Até o Fim”. Eu aprendi tudo o que sei no que diz respeito a palco, postura, guitarra e amizade de banda com esses caras. Aprendi o que é uma banda e o que ela pode representar para os envolvidos. Aprendi que ninguém é obrigado a pensar como você numa banda. E aprendi que ter banda pode ser tornar doloroso ou prazeroso, e que tudo depende do quanto você se dedica aquilo. Aprendi que, ao contrário do que dizem por aí, não é a grana que faz de você um artista ímpar. O Lucidas foi A banda que eu tive, participei, fiz barulho, chorei, sorri, sonhei. Quanto a sentimentos com o Túlio, hoje só tenho a agradecer. Tudo o que sei sobre guitarra foi ele que me ensinou. Eu tinha uns 17, 18 anos naquela época. Ele era mais velho. Como disse o Sérgio Dias, éramos o John e o Paul da banda. Ele me ensinou muita coisa, e é um cara que faz parte da minha vida, nem que seja apenas do meu passado.

Os Blocos – Você tem visto o restante da banda?

Pompeo – Meu irmão ainda mora comigo. O Ruga eu vejo bastante. Ramirez quando volta de Juiz de Fora. Carlão é raro, mas quando nos esbarramos ele dá aquele berro dele: “Felipão!”, e espalha para quem estiver com ele que eu sou o vocalista da banda dele. Acho isso lindo, o Carlão, que era técnico de som, falar com orgulho, A banda dele, se incluindo no time. Tem mais que se incluir. Pra quem não sabe, “Até o fim” é uma expressão dele, que sugeri para o nome do disco. Toda vez que íamos para Votuporanga, lá pelas 7 da matina ele aparecia com uma lata de cerveja e berrava “até o fim galera”. Ah, fazem uns 4 ou 5 meses que vi o Capone (Fabio Capone, 1° empresário da banda) conversamos por umas 4 horas tomando cerveja e comendo pizza. É uma galera que adoro encontrar.

Os Blocos – Você mencionou o Sérgio Dias. Todos que andam com você sabem dessa história. O que aprendeu com ele?

Pompeo – Aprendi muita coisa. Realmente, muita coisa. A mais preciosa de todas foi a menção de que os Beatles são os maiores do mundo. Depois dessa informação, minha vida mudou. Mas ainda falando do Sérgio, ele me esclareceu, sem perceber, o que é uma produção musical – bem diferente do que ele fez. Ele simplesmente fez a coisa toda do jeito dele. Com isso, aprendi que um bom produtor ouve a banda que está produzindo com os verdadeiros donos da canção, e que a palavra deles é sempre a final, a não ser que você tenha um argumento muito melhor que o deles, sendo que, se você tiver mais experiência que a banda, seu argumento, na maioria das vezes, prevalece.


Os Blocos – É assim que acontece com a Oito Mãos?

Pompeo – Exato. Mas eles são um caso a parte. São meus amigos, o que dificulta mais a coisa toda. São 4 gênios em ebulição, de opiniões diferentes. Fortíssimas opiniões. Como eu conheço cada um deles muito bem, eu sempre me viro com os melhores argumentos, daqueles que sei que eles não vão reclamar. Rs...

Os Blocos – Em entrevista cedida ao pessoal da imprensa do Unifest Rock 2009, você disse que depois que entrou para a Oito Mãos, sua vida musical só subiu degraus.

Pompeo – Quando o André (guitarra e vocal da 8M) me chamou para trabalhar com eles, eu me senti super importante, coisa que estava precisando sentir naquela época. Foi quando o Lucidas não acreditava mais nas próprias canções. Foi um momento em que bandas autorais começaram a fazer mais sentido para mim. Nessa época que fui ouvir Phonopop, e o André conhecia essa banda. Era fã das coisas que eu adorava e ainda adoro – como Oásis, Los Hermanos e Beatles. O Oito Mãos é uma banda formada de caras que me respeitam, que são abertos a opiniões, que sabem o que querem e que torcem o nariz para coisas óbvias demais. Desse momento em diante, só cresci. Fui introduzido ao pessoal do alternativo de Campinas, descobri que havia uma porrada de banda além do circuito universitário DAKTARI, PAPARAZZI, FESTAS NO CAMPINAS HALL... Foi aí que conheci o Bar do Zé, o Woodstock, lugares em que se você se limitar em ser uma banda cover, é capaz de ser vaiado.

Os Blocos – E o JB e Seus Amigos Sex Symbols?

Pompeo – Ta aí uma banda que tem tudo para dar certo. Originalidade, som forte, humor. Acho fantástico tocar baixo para eles. Aliás, sinto muito orgulho dessas coisas: sou o produtor musical do Oito Mãos e o tecladista deles, e sou o baixista do JB. O Fita (Raphael Castro) é amigo de longas datas. Ele tocava no Lucidas também. Tinha uma canção do Detonautas Rock Clube – “Ainda vou te levar” – em que no meio tinha um rap que eu simplesmente não conseguia cantar. Era o Fita que fazia... Rs... “Eu podia até tentar acreditar nessa ilusão...” Era muito engraçado. Daí um dia ele precisou de mim pra tocar baixo no JB. Vou confessar uma coisa: eu já via um puta potencial nessa banda e queria participar daquilo desde o começo. Quando recebi o convite, cara, fui para pegar o meu lugar. Tirei o disco inteiro dos caras em uma tarde. Foi aí que conheci de fato o Lucas (guitarra e voz) e virei um grande amigo dele. Mais tarde veio a Michele, que é uma batera melhor que muito marmanjo por aí.

Os Blocos – Quem não te conhece acha que você está completamente drogado nos shows do JB.

Pompeo – Não tem nada a ver. Se eu me drogasse, não conseguiria tocar. Estamos falando de drogas né? – se é que você me entende. Aquilo é simplesmente eu me deixando levar pelo som, que acho do caralho. Arranjos fortes, riffs fenomenais, isso me deixa de pau duro. Se eu não acreditar no que estou fazendo, quem vai acreditar? Isso é o que mencionei antes, tocar com a alma, seja no baixo do JB, nos teclados do Oito Mãos, ou em barzinhos, ganhando meu pão, tocando “Fada”.

Os Blocos – É verdade... Você toca “Fada”, do Vitor e Léo...

Pompeo – Vai me dizer que não é um puta som? Essa nova onda sertaneja está fazendo rock and roll e ninguém está percebendo isso. Eles apenas vestem roupas de cow-boy, um chapéu do Indiana Jones, e fazem aquela vocalização cheia de vibratos que os sertanejos pop’s adoram fazer. Sertanejo foda mesmo é aquele de raiz, que se ouve em Alterosa – MG. Esse eu não toco, mas não é porque não gosto ou coisa parecida, mas sim porque eu não sei fazer. Coisas que eu não sei fazer eu apenas admiro.

Os Blocos – E o que você não admira?

Pompeo – Ah... Já nem sei mais. Ando respeitando de tudo. Só não sou obrigado a gostar.

Os Blocos – E do que você não gosta?

Pompeo – De coisa mal feita. Vozes desafinadas faz tempo que não me incomoda mais. Mas poxa, uma banda tocando fora do tempo, uma voz cantando fora do tempo, essas coisas me irritam. Me irrita quando não há o mínimo de cuidado técnico em cima da coisa. Eu sou o primeiro a defender o trabalho do artista, aquela coisa que vem do fundo do ser dele. Mas quando o cara não preza para fazer, pelo menos, bem feito, de modo que o receptor consiga “suportar” aquele momento, aí fica difícil.

Os Blocos – Você assiste aqueles programas de caça talentos, como o Ídolos, por exemplo?

Pompeo – Assisti quando era novidade. Era engraçado ver o pessoal sem noção cantando... E a cara dos jurados. Depois que o Cassim (Carlos Cassim, do Keep The Faith, o Bom Jovi Cover) participou e me falou como era feito, broxei. A produção seleciona pessoas boas e ruins para enfrentar os jurados. O que era novidade passou a ser ridículo. Sou o tipo de pessoa que sente vergonha pelos outros. Se um Sacomani ou um Miranda fala coisas do tipo “você não tem jeito pra coisa” ou “pelo amor de Deus, não achei meu ouvido no lixo” eu mando o cara ir a merda.

Os Blocos – Mas dizem por aí que você se inscreveu no Ídolos.

Pompeo – Eu apenas imprimi uma folha de inscrição, só para ver como era. Achei fácil demais, foi só entrar no site, imprimir um número e ir pra uma fila de 3 dias no Tênis Clube. Larguei o papel em algum lixo no meio da rua.

Os Blocos – Quais outros projetos você está envolvido?

Pompeo – Faço parte do Beatles Drive, que é uma concepção mais roqueira dos Beatles, junto do Fabio Boto (ex Quatro Fatos). Estive gravando um disco em tributo ao Michael Jackson com o Elton Dias (baterista, música free-lance da cidade) mas não sei quando ambos os projetos saem do forno. Tenho, junto do Oito Mãos, um home estúdio, onde gravei o “Esperanto” e o “Vejo Cores nas Coisas”, o novo disco do 8M, ainda em faze de mixagem.

Os Blocos – Podemos esperar mais disco de Felippe Pompeo futuramente?
Pompeo – O futuro não me pertence. Não sei o que vai acontecer daqui pra frente, e nem quero saber. Só quero viver intensamente o presente, lembrando com felicidade do passado. O que depende de mim é a vontade de continuar compondo, escrevendo e tocando. Temos o home estúdio. A resposta é sim, com certeza, virá um disco atrás do outro, enquanto eu estiver vivo.

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