Christian Camilo
"Nunca gastamos um centavo para nada, só ganhamos concursos e essas coisas que dão incentivo financeiro. Sempre investimos na música, ainda não fomos viajar com essa grana, não é a hora ainda".
Da última vez que falamos com Felippe Pompeo, ele acariciava
Madalena, a sua Pit Bull branca. Hoje ele está entre duas vira-latas
incrivelmente parecidas – Maria Bethânia e Pantera Ponte Para Terabítia. “Quem
deu esses nomes foi a minha mulher, e vocês achando que eu que sou maluco” diz
ele enquanto abre a porteira de sua casa em Joaquim Egídio para nossa equipe,
somos cercados imediatamente pelas duas cachorras marrons. Toda vez que Felippe
está incluso em alguma produção, cá estamos nós do “Blocos de Cimento” para
poder entender um pouco mais sobre sua função na comunicação musical – mesmo que
ninguém dê a mínima.
Os Blocos de Cimento – Você disse que não iria parar nunca.
Realmente, parece longe de uma pausa.
Felippe Pompeo – O que eu posso fazer? Sou movido a isso. É
o que dá sentido a minha vida.
Bloco – Você fala de um jeito que parece triste...
Pompeo – Tristeza também é um sentimento. A vida é uma
mistura disso tudo não é mesmo? Felicidade, tristeza... Só que nós damos sempre
ênfase à tristeza, não sei por quê. Se você tiver a resposta, me ajude.
Bloco – Não faço a menor ideia.
Pompeo – Somos todos uns condenados ao trabalho, a angustia.
Medo e essas coisas que vem com o pacote da fecundação. Não pedi para nascer e
não pedi para gostar de fazer discos, mesmo sabendo que isso nunca me levou a
lugar algum. E não estou sozinho nessa. Converso com um monte de gente
talentosa e todos sentem o mesmo – há tanta gente foda no mundo e poucas são
reconhecidas pelo seu talento.
Bloco – Então não reclame.
Pompeo – É inevitável. O que eu faço, geralmente, é olhar ao
redor e pensar que poderia ser pior... Sempre poderia ser pior. Essa coisa da
angústia, quando bem administrada, nos fortalece. Foi desse modo que o Aliás
foi concebido – e aqui eu falo por mim.
Bloco – Aliás, que nome hein!
Pompeo – Forte não é? Quer dizer o que você quiser pensar. A
banda é muito boa. Antes eu era produtor, moldamos as coisas, colocamos quadros
e tudo mais na sala. Hoje eu faço parte da banda, toco bateria e produzimos
juntos todo o material do disco novo, que sai em janeiro, se tudo der certo.
Bloco – E como poderia não dar certo?
Pompeo – Sempre há essa possibilidade. O disco foi gravado
com plug ins piratas, você pode imaginar o parto que foi.
Bloco – O que há em Amparo-Sp?
Pompeo – Uma chácara do pai do guitarrista, o Publio. Sempre
vamos pra lá e eu sempre tive vontade de varar uma semana lá gravando um disco
inteiro. Montamos nosso equipamento e foi o que fizemos, numa semana gelada de
julho, das dez da manhã as dez da noite. Foco, muito foco no trabalho e a
certeza de que iríamos sair de lá com o disco todo gravado.
Bloco – Conte mais, então...
Pompeo – Eu havia saído da banda. Fui convidado a me retirar
na função de produtor. Nesse tempo eu terminei o Sol. O Adhemar entrou em um
concurso publico e foi morar em Belo Horizonte, deixando os caras na mão. Eles
tentaram tocar com outras pessoas, mas o óbvio me chamava, pois além de
conhecer todas as canções do Vejo Cores Nas Coisas, eu lido muito bem com eles
musicalmente falando. Parece que nascemos um para o outro. Recebi o convite via
email e fiquei muito contente. Aceitei na hora, e se eu soubesse que ia exigir
tanto do meu espírito, talvez eu nem teria entrado no barco. Mas ainda bem que
eu não sabia.
Christian Camilo
"Eu prefiro meter o pau nos grandes – no Foo Fighters, por exemplo, ou no U2. Sou formiguinha perto de dinossauros. Então foda-se".
Bloco – O que quer dizer?
Pompeo – Vocês não acreditam mesmo não é? Acham que gravar
um disco é sentar, fumar maconha, beber pra caralho, gravar os takes e ir rindo
a cada take. Não é assim. Há todo um processo doloroso por detrás disso e eu
acho que o ego é o maior deles. Somos vulcões prestes a explodir. E isso
machuca. Somos democráticos a ponto de criar uma burocracia insuportável, quando
não há espaço para a menor ditadura. Qualquer coisa eu um não concorda, para
tudo e volta do zero. Qualquer coisa que um quer e diz com convicção, quer
dizer que está impondo... E por aí vai. O resultado final é incrível, pois nada
sai na moleza, tem que ralar, tem que chorar, que persistir.
Bloco – O Aliás foi gravado por vocês também, que nem o Vejo
Cores?
Pompeo – Exato. Usamos nossas coisas, nossos plug ins e
softwares piratas. Compramos compressores e guitarras novas. Uma bateria nova e
tudo o mais. Fizemos a pré-produção no Nosostros Estúdio, do Roger Ceigon. Mas
antes disso nos encontrávamos na casa de um ou de outro “ó, tenho essa música,
o que acham?” – e ia sacando no violão. Quando tudo ficou engessado, foi a vez
de gravar. A gente levantava naquele lugar maravilhoso de Amparo as nove da
manhã, tomava café e ia pro canto de gravação. Enquanto dois de nós pilotávamos
e gravávamos, outros dois almoçavam. As dez da noite parávamos e íamos dormir
lá pelas duas da manhã, bêbados, é claro. Não houve tempo para o futebol, mas
para a cerveja e o Playstation 3 teve sim.
Bloco – O que mudou do Vejo Cores para o Aliás?
Pompeo – O Vejo Cores é um disco do caralho. Foi feito sob
merecimento. Nunca gastamos um centavo para nada, só ganhamos concursos e essas
coisas que dão incentivo financeiro. Sempre investimos na música, ainda não
fomos viajar com essa grana, não é a hora ainda. O Aliás é mais maduro, mais
sério. Mais focado no trabalho. Dessa vez a gente confiou um no outro. O Bier
trouxe “Pacificamente” e eu lembro de pensar “fudeu, não faz o menor sentido”,
mas mesmo assim respeitei o colega de trabalho no que ele acreditava ser uma
boa canção e assim fazê-la – e eu tenho certeza de que muita gente vai dizer
que essa é a melhor do disco. A gente foi mais profissional, lidamos com todos
os problemas da melhor forma em prol da banda jurídica. Pois não há uma pessoa
física que comande isso tudo, por mais que muitas vezes qualquer um dos quatro
possa pensar o contrário. O André até brincou certa vez dizendo que deveríamos
colocar no encarte “produzido por Oito Mãos sob treta, muita treta”.
Silvia Montico
"Isso que me faz ficar de pé, a certeza de que o meu trabalho é foda. Oito Mãos é foda".
Bloco – O fato de vocês quiserem sempre estar tomando conta
da direção de tudo não revela a causa de produzirem, gravarem e mixarem
sozinhos?
Pompeo – Concordo. Mas também porque nossa grana foi gastada
com equipamento e não com estúdio. E também porque a coisa do caseiro é muito
gratificante. Reconheço todas as limitações do trabalho, mas também reconheço
todas as perfeições, e pra mim elas sobressaem. Por exemplo, eu não usei nenhum
plug in para corrigir desafinações, por questões nossas, e você vai ouvir todas
as desafinadas ali, somos autênticos, não somos mentirosos, somos rock and
roll. Não há correção de bateria ou de guitarra. Não há borracha. É aquilo
mesmo, é a gente tocando e cantando no tempo e afinados. Não usar o corretor
vocal só vai engrandecer as partes perfeitas – é o caso de “Algo Espetacular”,
uma canção simples e linda, muito linda. Além do mais, sem algumas pessoas que emprestaram seu talento sem cobrar nada por isso, não teríamos vindo até aqui, é o caso de Fabio Boto, Christian Camilo e Silvia Montico.
Bloco – Não vai criticar os trabalhos milionários?
Pompeo – Claro que não! Se acha que vou meter o pau no Sertanejo
Universitário ou no High School Music, esqueça. Já fui disso, hoje acho que
isso é a maior perda de tempo. Os frustrados metem o pau nos obviamente ridículos
para se engrandecer não sei do que. Eu prefiro meter o pau nos grandes – no Foo
Fighters, por exemplo, ou no U2. Sou formiguinha perto de dinossauros. Então
foda-se. Agora, meter o pau no ridículo é chutar cachorro morto, quebrar madeira
para exibição de karatê. Quer usar o melodyne ou o auto tune, manda ver! Mas
use direito!
Bloco – Vocês vão prensar em vinil... Numa época em que
ninguém mais faz isso...
Pompeo – Cara, em que mundo você vive? Dá um pulo na Saraiva
ou na Cultura. Tá tudo lá, lançamentos e relançamentos no vinil. Todo mundo
está falando sobre isso e recomendo que você compre uma vitrola o mais cedo
possível e saia comprando seus discos preferidos em sebos, pois o preço disso
tudo vai voltar a ficar caro – já é. O nosso vai ser duplo, então vai ser caro.
E não vamos ficar “compre, pelo amor de Deus”. Azar é teu se não adquirir o seu
exemplar. Fazemos isso por nós, eu e o Bier somos apaixonados por discos de
vinil. O sabor do som é outro, é comparar um vinho brazuca com um chileno – a mesma
cor, mas outro sabor. O cd perdeu o seu valor, fez a música virar um cartão de
visitas. O mp3 tirou toda a proposta de fazer música maior que a vida. Essa é a
nossa proposta. O Aliás contém 13 músicas de puta que pariu de foda. Eu tenho
absoluta certeza disso. E se a pessoa que ouvir não achar isso, eu acho que
essa pessoa é burra. Sabe os fãs da coisa ridícula? Então... Isso que me faz
ficar de pé, a certeza de que o meu trabalho é foda. Oito Mãos é foda. Pouca
gente faz canção para tirar lágrimas dos olhos. Muita gente lança material para
vender, para entreter, para trepar. A gente faz para marcar a vida de um.
Sempre vai ser assim. O vinil vai reforçar isso. O cara compra um LP do Aliás e
pra sempre vai ser impressionante. O disco está impressionante. Não há mais
nada a se fazer, divulgações, promoções, correr e tocar... Ninguém dá a mínima.
Somos uns idiotas falando de nós mesmos e de nossos sonhos.
Christian Camilo
"A bateria é o instrumento mais fácil de cagar numa canção".
Bloco – Da última vez que nos falamos, você disse que não
esperava mais nada da música... Acabou de tocar na palavra sonho. O que me diz?
Pompeo – (pensativo) Fazer um show no Circo Voador, na Lapa-
RJ, é um sonho. Possível né, porque tá lá... Eu vivo uma vida real pessimista e
sonho quando estou fora da realidade. O Circo é real. A vibração lá é fora do
comum. Vi Little Joy e o Amarante chorando naquele lugar, é de outro mundo. Amo
o Rio e o seu vento salgado.
Bloco – Vamos falar de instrumentos. O que você, de fato,
toca?
Pompeo – Nasci cantando. Depois meu pai me deu um violão. Depois
eu percebi que a lógica da guitarra era a mesma. Mais tarde percebi que tocar
guitarra era diferente. Depois percebi que baixo era mais fácil que guitarra e
violão, mas que exigia uma marcação de tempo próximo ao bumbo. Depois ganhei um
piano e segui a lógica de 3 dedos e fazer a mesma coisa com as duas mãos.
Depois não queria ensinar baterista nenhum a tocar minhas músicas e encarei o
instrumento nos meus discos. Logo o Oito Mãos me chamou para tocar bateria na
banda. A bateria é o instrumento mais fácil de cagar numa canção. Quanto mais
shows a gente faz, mais eu me sinto seguro. Às vezes a baqueta cai, mas eu não
estou nem aí. Gasto uma energia gigantesca, me machuco todo, minha coxa fica
roxa ao fim dos shows e meus dedos enchem de bolha. Minha caixa 14x8 não
aguenta as porradas de rinchotes que dou e cede afinação em todos os shows.
Fico puto com isso porque o nome do instrumento é BATERIA, então deveria
aguentar. Pontos negativos pro seu Odery, que mandou fabricar caixas nos Xing lings
e estão fazendo de qualquer jeito... O mesmo acontece com o banco da série
Privilege – são uma merda. De qualquer modo, eles estão ricos. Mas eu me sinto
muito bem quando as pessoas vêm e dizem “porra, tá tocando pra caralho”. Me
machuco todo, mas é muito gratificante. Sou o tipo de cara que adora montar e
desmontar uma bateria, é um ritual. A
gente está fazendo uma série de shows pra ninguém, há um lugar pra tocar e a
possibilidade, a gente aluga uma van e tudo o mais e vai. A gente se diverte,
toca e vem embora. Tudo isso pago por uma parada de incentivo cultural que até
hoje não sei o nome... Não me ligo muito nisso, me ligo mesmo é na música.
Bloco – Qual foi a causa de desistir de assinar a mixagem do
Aliás?
Pompeo – A burocracia, é claro. Se eu fosse o cara que havia
mixado, algumas coisas que estavam de agrado dos outros integrantes não
entrariam. Mas, como eu já disse, é tudo muito democrático. Algumas coisas não
me agradam, mas isso é pessoal. Não fará diferença no ouvido das pessoas. Mas
foi o meu modo de dizer “caras, não concordo com esse reberb aí, tirem o meu
nome da mixagem, coloquem como feito pela banda”. Mas fui eu quem mixou, sim.
Bloco – E quem é o teu baterista preferido?
Pompeo – Putz... Fudeu. Mas vou citar... Steve Gadd,
naturalemente. John Bohan, naturalmente. Ringo Star, puta merda...! E meu pai
diz que eu imito o Abe Laborial Jr... Vai saber. Na fila do show do Paul
McCartney geral me zoava “olha o Abe ali” (Abe Laborial Jr . é o atual
baterista da banda do eterno beatle).
Bloco – E, pra finalizar, da onde vem essa idiotice de ficar
fazendo entrevista com você mesmo?
Pompeo – Ninguém nunca terá o culhão de me perguntar o que você
está me perguntando. Ninguém nunca se interessará por me perguntar coisas além
de “cite suas influências” ou “conte como a banda começou”, essas coisas
genéricas do jornalismo preguiçoso. Eu tenho muito a dizer, mas ninguém me
pergunta nada. E ninguém melhor do que eu mesmo para saber exatamente sobre o
que eu quero falar.
"Eu tenho muito a dizer, mas ninguém me pergunta nada. E ninguém melhor do que eu mesmo para saber exatamente sobre o que eu quero falar".
hahahaha, sensacional!! Quase caí da cadeira no final. E vou ter que ler tudo de novo, pq acreditei que era um dálogo!
ResponderExcluirHAUHAUAHUAHU!! É nóis mano!! Que horan você por aqui!
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