segunda-feira, 1 de julho de 2013

Raul Terceiro.



Raul é o tipo de coisa que me evidencia a existência de Deus. E nós poderíamos chamar isso de acaso, se te deixa um pouco mais feliz. Me desculpem os ateus, mas, assim como o meu papo é sem sentido para vocês, os seus argumentos sobre a não existência de Deus não faz o menor sentido e mostra-se uma total confusão na consciência de sua própria existência. Deixando bem claro que religião não me leva a lugar algum e nunca me levou - pois uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa - Deus se faz presente em momentos em que ele parece se esconder. Daí você tem que ligar os pontos nas linhas tortas da escrita certa. Acho que é por isso que existem os ateus, pois eles não ligam os pontos. 

A questão básica é a bondade que exala felicidade e um certo sossego. É claro que a sua vida nunca vai deixar de ter tribulação. Para ser mais exato, acho que a vida é tribulação aliviada por momentos bons. Deve ser esse o plano da vida na Terra. Mas Deus se faz presente. 

Eu e minha mulher somos amantes dos cachorros. Eu já tive a Buba e a Dara. Hoje temos a Madalena na casa dos meus pais.  A minha mulher teve o Xuxo, o Bolinha, a Dolly, a Pitucha, a Grampola, a Tulipa,  e a Mel. Lá na casa  dos pais dela ainda tem a Sara, o Prejú, o Boby e a Sarita que vive na rua. 

Quando fomos morar numa casa, imediatamente ela queira um cachorro. Eu bem que tentei negar, mas foi impossível não ceder ao primeiro presente do criador. Maria Bethânia mancava no meio da estrada de terra que vai dar na nossa casa. Ela estava suja de poeira e carregava uma enxurrada de carrapato. Minha mulher a pegou e trouxe para nós. Foi amor a primeira vista. Bethânia é a coisa mais linda que eu já vi na vida, do olhar mais puro que um ser vivo pode ter. 

Meses depois aparece via facebook a Pantera. Forte, musculosa, perfeitamente igual à Bethânia. Carregava no texto de sua descrição a horripilante história do sofrimento que o ser humano pode causar aos cachorros. Sobre novos protestos, minha mulher foi buscar a senhorita Pantera. Quando ela chegou, mostrava uma humildade fora do comum, se rastejando no chão ao ver o homem da casa.  Eu, puto, não dei conversa para ela nessa primeira noite - até hoje peço perdão para Pantera por esse equívoco da minha vaidade - e logo no dia seguinte percebi o quanto era grata por nós dois termos resgatado ela das garras dos confusos. Pantera era amada. Demos o nome de Pantera Ponte Para Terabítia. 

As duas se deram super bem até o dia em que fizemos um aniversário na minha casa. Tanta gente deve ter deixado a pobrezinha da Pantera bem confusa, e não deu outra. Atacada pelo ciúmes que só quem sofreu bastante pode ter, Pantera atacou Bethânia na frente dos convidados. 

Passado os dias, a coisa só piorou. E era uma briga mais sinistra que a outra. Eu sofria, minha mulher sofria, Bethânia (tadinha) tomava aquele pau. E não dava para ficar bravo com a Pantera, pois ela era indefesa e vítima da própria educação que teve quando mais jovem. 

Eu perguntava "mas meu Deus, nós estamos fazendo a nossa parte, nós amamos esses cachorros, isso não é nada justo". E, contra todas as possibilidades do que seria perfeito para nós como família, Pantera foi pra fora, Bethânia ficou pra dentro. Por um lado Bethânia perdeu o gramado. Pantera perdeu a casa e o calor intenso dos donos. Nos preocupamos e ficamos bem tristes com a possibilidade de Terabítia viver sozinha no quintal, sendo amparada por nós, os donos, umas duas ou três vezes ao dia. Saíamos no quintal para mostrar a ela que nós a amávamos com todo o nosso ser, mas que para o bem da casa e da família, deveria viver para sempre no quintal. 

Semanas depois minha mulher viaja. Eu, sozinho, tomo conta de Bethânia e de Pantera, cada uma na sua. Fazer o que, se era pra ser assim, Pantera sozinha, então assim seria. 

Só que Deus é foda. 

Ele escreve certo com linhas terrivelmente tortas. 

Um dia eu fui tomar uma cerveja no boteco perto de casa. Ao abrir a porteira, lá fora estava Raul. Olhado para mim do jeito que até hoje ele faz. Sua língua pendurada num frenético vai e vem dos cachorros afobados, cheios de energia que a vida pode proporcionar. Carregava uma coleira gasta e uma bela costela a vista. Pensei "meu Deus, mais um abandonado". Fechei a porteira e fui pro boteco. Raul até tentou me seguir, mas eu disse "sai fora". Lá no boteco, depois de umas, duas, trinta e tantas, aparece Raul. As pessoas brincavam com ele e eu dizia, todo orgulhoso, "esse é o Raul, eu o conheço já". Não me pergunte da onde eu tirei esse nome. Eu simplesmente passei a chamá-lo assim. 

Quando resolvi ir embora, alegre como eu estava e eufórico pelo álcool, chamei Raul para ir em casa, pois eu ia dar comida e água. Assim foi. E dizem que os cachorros escolhem ir ou vir. Raul escolheu ficar. Fiquei desesperado e fiz anúncios no facebook e em sites de adoção canina. 

Nunca vou me esquecer da frase que eu mais disse ao criador. "Por favor, me arrume um dono para esse cachorro". 

E ele arrumou. É claro que nada é tão simples ou fácil como um simples post de blog. Nada é tão fácil quanto parece. Foram noites e noites pensando no que fazer até minha mulher voltar da viagem. Foi uma barrinha ao novo comportamento da casa. Como as coisas funcionariam daqui pra frente? Não sabíamos. Mas a vida sabia. Raul foi para o quintal com Pantera. A monstrinha cedeu espaço na sua casinha para Raul dormir junto dela. Aos poucos nós fomos percebendo o puta presentão que ganhamos de Deus. Não nos preocupamos mais com a solidão de Pantera. 

E nada é fácil, a vida não é e nunca foi fácil. Os dois fazem a maior zona, uma puta sujeiraiada no quintal. Para passear devo descer toda a minha força para segurar os dois. Bethânia vive dentro de casa e a gente sente que ela sabe que assim foi o melhor. De vez em quando a Pantera desce a porrada no Raul, mas é assim mesmo. Nada tão assustador quando as duas fêmeas se pegam. 

É tão exato e perfeito que as linhas tortas nos entortam, mas quando você enxerga o certo... A coisa faz todo o sentido.

Somos infinitamente gratos por todos os cachorros que passaram em nossas vidas. 

Especialmente por Maria Bethânia, Pantera Ponte Para Terabítia e Raul Terceiro - o magnífico! 

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