quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Tudo Tanto - Tulipa Ruiz



Quando Tulipa Ruiz laçou "Efêmera" - 2011 - os "formadores de opiniões" rasgaram todas as cedas do universo em suas críticas. Eu, o mais crítico de todos os tempos, me deixei levar pela revista Rolling Stone (que é, até o memento, o veículo em que me mantenho antenado nos lançamentos apurados das grandes mídias, e podem me chamar de idiota por isso, estou cagando e andando), ao ler na edição de dezembro que "Efêmera" era o melhor disco lançado naquele ano.

O que pode estar em jogo é que me parece - sempre me parece - que os "formadores de opiniões" rasgam ceda, quando acho que deveriam usá-la para fumar. Eu usei "Efêmera". Fumei tudo. Não sobrou ceda alguma. O disco é simplesmente lindo.

Mas então ela lança "Tudo Tanto" - 2012. A princípio penso duas coisas: foi cedo, poderia esperar mais um pouquinho; e ela abusa do vibrato, o que me faz pensar que é absolutamente natural que muitas pessoas cheguem a achar sua voz irritante.

Também entendo a necessidade de continuar no trem, de pegar essa carona no tesão das coisas estarem dando certo. Ter condições de trabalhar com uma equipe séria e competente, um estúdio onde pouca coisa é limitada (ou quase nada). Diga-se de passagem que Gustavo Ruiz, na minha opinião, é o melhor produtor musical dos últimos 5 anos. É o único trabalho que ouvi em que consigo, de fato, ver o peso das mãos do produtor, sem que isso descarregue a genialidade do artista. Delays geniais, da esquerda pra direita, do jeitinho que adoro fazer em minhas mixagens.

Tulipa não é um produto. Não é uma passagem. Não é o tipo de canção que se canta enquanto faz alguma coisa. Tulipa fez o tipo de música em que você fica babando, sonhando, sorrindo, medroso, curioso. Tem momentos em que você se sente uma criancinha. Tem momentos em que você se sente um adulto velho, espremido pelos próprios conceitos mais bestas de todos os tempos. Tem horas que você deseja estar com ela, numa roda de amigos, tomando um vinho, sem precisar necessariamente falar de música (um assunto na maioria das vezes bem chato).

Ela é o retrato da mulher de verdade, da guerreira, da maluca, da séria, da não periguete, do conteúdo. Não é o tipo de coisa que se elogia só porque é mulher, como algumas bateristas que a gente só elogia pelo fato de ser uma pessoa frágil... Entende? Mulher... A mania de achar que mulheres são frágeis. Uma ova! Mulheres são o cérebro da humanidade. Tulipa é um pequeno retrato disso.

Sua voz parece um elástico. Estica, puxa, encolhe. Alguns momentos é grave e suave, como na canção de trabalho, "Ok", a única que tem certa referência ao "time que está ganhando não se mexe", o tipo de canção que parece ter vindo de "Efêmera". Ou estupidamente forte, a ponto de machucar, como em "Víbora", onde Tulipa respira e solta o berro, junto do verbo, dizendo "e você é o equívoco", de um modo tão violento, mas tão violento, que é sim insuportável, e se você ouvir apenas essa faixa, vai dizer que ela é ridícula, pois é disso que se trata, uma víbora, um veneno, um toque da cobra lustrada, do inevitável, da vida que machuca.

Em "Expectativa", Tulipa parece sorrir maleficamente, dizendo que tudo o que você viveu não é nada, que ainda vamos pirar de vez nessa vida maluca recheada de expectativas e esperanças, mesmo que você se apegue nas coisas que fazem parte dessa vida, sempre vamos viver sob expectativa, sempre vamos querer algo que não temos, sempre vamos correr pra lá e pra cá, e vamos, um dia, me perdoe a redundância, pirar de vez.

Ah, e tem Lulu Santos... Lulu dispensa apresentação. O curioso é que Lulu fica na mesma proporção que Tulipa. Ela não soa tímida, acanhada, medrosa, por gravar com um dos caras mais complicados da música brasileira. Lulu deve ser exigente, deve ter toda a sua bagagem expelindo pelos poros. Isso intimida. Tulipa tira de letra. Fica quieta, dando espaço ao fabuloso Lulu manter sua impressão digital na canção, até um "que o quê" a gente ouve antes do refrão, ao maior estilo Lulu de ser "hei sou foda e faço o que quero". Mas ela, ao ser requisitada na canção, que aliás se chama "Dois Cafés", vem que vem, como em todo o disco. Mesmo sabendo que cada um gravou sua parte vocal em estúdios diferentes, não há pesos e medidas na música.

Isso prova que a música no Brasil não é ruim. Não estamos entregues ao produto. Os produtores não estão gravando apenas o que vende, apenas o que que faz dançar ou pegar mulher na balada. Não estamos jogados ao esquecimento, não somos apenas adolescentes curtindo rock colorido. Isso tudo existe e sempre existiu e sempre irá existir. Mas a música refinada - e essa não é necessária graduação ou coisa do tipo para se ter acesso e ela, a música, não precisa ser complicada, pois é tudo uma questão de gosto - sempre estará entre nós. Sempre seremos agraciados por artistas como nós, que acham isso ou aquilo um grande equívoco, uma curva de rio, uma grande merda, e fazem de sua arte um presente para a humanidade.

Tulipa Ruiz e todo o seu time de impressionantes profissionais. Tudo Tanto. Meus sinceros parabéns.

3 comentários:

  1. Concordo demais pra caramba. O trabalho da Tulipa é lindo mesmo, ela é sensacional.
    Acredito que outro trabalho surpreendentemente fantástico será o Aliás da Oito Mãos. Parabéns Pompeo, pelo seu belo trabalho musical e crítico.

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    1. Opaaaa!!! Tenho UMA FÃ DE VERDADE!!!

      Demais cara!
      Uma grande honra, sempre.

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