quinta-feira, 30 de maio de 2019

Sobre a morte

A gente morre de medo daquilo que não conhecemos. Daí surgem os prés conceitos da vida. E tudo aquilo que a gente não conhece, evitamos falar sobre e daí surgem os tabus. Sexo é o maior deles, sem dúvida alguma. Se fossemos mais abertos com a coisa toda, sobre tudo, talvez nos odiaremos menos. 

E por falar em medo, quem não tem medo da morte? Não adianta dizer "eu não". Aquele exame de rotina para investigar uma dorzinha no estômago, o cu fecha ao abrir o resultado. Somos todos assim. O fato é que ninguém consegue me dizer o que acontece após a morte. Não é ciência. Não há ciência. E fé, meu raríssimo leitor, é tão pessoal, inquebrável e incompartível quanto a sua impressão digital. É interessante o quanto o ser humano, após se der conta de que iria morrer, passou a querer desvendar os mistérios da morte e se esquecendo por completo sobre o antônimo dela: a vida. 

Me lembro a primeira vez que vi uma pessoa morta. Um desconhecido, sendo velado, enquanto eu fazia uma entrega no cemitério. Estiquei o pescoço para olhar lá na capela. Um corpo, sem vida, morto. E os vivos chorando, velando. Nunca mais essa pessoa estaria entre eles. Mas eu não tive tempo de ficar viajando muito porque o momento me chamava pro trabalho. 

Outra vez eu vi um velho no caixão, esse eu conheci bem. Seu Januário pareceu viver uma vida infinita, cheio de gente em volta prestando as últimas homenagens e confesso que minha música "O Velho" foi espelhada nele (em partes, pelo menos). Mas ali não estava um cara infinito e parece que as pessoas falam cada vez menos dele. Não fui no enterro, mas ouvi dizer que pareceu que a cidade toda foi lá dizer adeus. 

Ainda nessa coisa de cemitério, a irmã de um amigo próximo nos deixou e foi aí que eu comecei a ficar meio cabrêro com essa parada de morte. Ela era linda, cheia de vida, inúmeras possibilidades para acontecer, duas filhas, dois irmãos, pais vivos, um marido, uma galera... e o infinito se apagou num desastre fisiológico chamado câncer. Lembro que fiquei fascinado em seus rosto morto. Meu olhar paralisado com o caixão descendo os sete palmos até que me tiraram dali. Fiquei com aquilo na cabeça por dias. 

Certa vez eu fui num posto e lá estava um morto no chão, entre as bombas de gasolina. Pelo o que entendi, o cara tava indo entregar uns exames do coração numa clínica por ali, mas o coração falou "que mané exame, vambora". E dizem que ele caiu, deu uma respirada longa e já não estava mais ali, era só carne morta. Do nada o cara se foi, deixando contas e exames para trás. Me veio o seguinte: tanta coisa acontecendo na vida, coisas boas e ruins, e do nada tudo pode acabar. 

Outra vez eu tava saindo de casa e após alguns quilômetros vi uma agitação. Reduzi a velocidade. Polícia no local. Mais a frente uma moça extremamente desesperada, aos berros, prantos, daqueles que nem nos filmes a gente vê, aquela sensação horripilante do terror da perda, acho que pude ver o frio e o calor transbordando na alma da pobre moça, gente em volta dela chorando também mas não como ela, ela estava fora de si, sem controle... e mais pra frente uma moto destruída e um corpo coberto por um manto prateado. Poxa, eu fiquei tristão. Eles deveriam ter uma história tão bonita quanto a vida de todo mundo. Um descuido tirou a eternidade carnal do rapaz. 

Ainda esses dias vi a mesma coisa. Gente desesperada. Morte no trânsito.

O ponto é:

A vida é um privilégio. Viver, sentir, ter a necessidade das esperanças e dos medos, o obscuro da incerteza, a beleza do sorriso, da mente que brilha. Não posso dizer que não tenho medo de morrer, claro que tenho. Mas posso afirmar que sou grato pra caralho por estar vivo e fincar raiz nesse planeta. 


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