segunda-feira, 16 de maio de 2016

Algo Espetacular - a turnê de 12 shows.

Terminei 2014 com uma certeza absoluta: Oito Mãos havia acabado. Ou eu estava fora. Se isso seria o fim da banda eu não sabia, mas para mim era o fim. Se você se importa ou não... Na verdade quase ninguém se importava, a não ser minha companheira e dois amigos de internet. Os nobres colegas do dia a dia nem sequer sabem cantar um refrão. Quer dizer, pensando aqui havia algumas pessoas que, de fato, se importavam. "Vocês nos devem um terceiro disco". 

Certo dia recebo um email completamente inesperado. Era  Leandro, nosso guitarrista que cuida - quer ele ou não - da parte burocrática da banda, dizendo que nosso projeto para realizar 12 shows em algumas cidades do Estado de São Paulo havia captado recursos através da realização do Proac. Disse assim, entre um email gigantesco: "Como ou sem vocês, eu vou realizar esse projeto. Adoraria que fosse com vocês, mas se precisar fundo uma banda nova e chamo de Oito Mãos, já que as músicas estão em meu nome". Eu arrisquei. Precisava da grana dos cachês. Disse sim. Logo tivemos respostas dos outros dizendo que sim.

Fizemos uma reunião antes de darmos início ao trabalho. Foi um caos. O que era pra ser um planejamento virou uma lavação de roupa suja. Alguns precisavam disso. Achei necessário. Pois foi ali que deixamos o passado pra trás e resolvemos seguir em frente, 

Havia um medo geral. Conseguiríamos? Seria viável? E o mais importante: seria divertido? Eu achava que 12 shows seriam uma tortura, difícil de lidar. Pra ajudar o medo, Leandro anunciou que teríamos companhia nas 12 datas. Francisco El Hombre participaria para agregar um valor inquestionável aos eventos que seguiriam. Ora, a gente não queria mais tocar para meia dúzia de pessoa. Francisco El Hombre traria esse povo para nos conhecer também. Meu medo era do fracasso diante da beleza do trabalho deles. E eu tinha receio da Juliana, uma mulher de olhar forte, de ideias fixas, do tipo que um deslize moral ao seu lado poderia ser fatal para o bom clima dentro de uma van. Mais tarde eu perceberia que todos eles eram assim. Depois de várias negociações nós os convencemos. Ah, é claro, eles também tinham os receios deles por andar conosco. Onde iríamos parar com isso tudo? Duas bandas completamente diferentes, de pensamentos e ideologias diferentes, com realidades profundamente desencontradas. 

Por um lado, nós - uma banda de 10 anos de estrada formada por caras que não fazem disso o seu emprego. Quatro caras que não tiveram a coragem de largar tudo e seguir viagem. Uma banda de compositores que o único objetivo é tocar, doa a quem doer. Que faz um som barulhento, nada dançante, quase que repelente. Enfim, quatro caras comuns que mal sabem se vestir... Mas que acreditam - muito - na arte que produzem. 

Do outro lado eles. Mateo e Sebastian, duas beldades linda de morrer. Juliana, cada suspiro no palco é de parar o tempo. Gomes, o melhor abraço do mundo. Andrei, uma humildade infinita. A pulsação sonora que vem deles é de contagiar o mais cético. Qualquer praça se enche. Qualquer mal humorado esquece da briga passada. As mensagens de Sebastian nos dá esperança. A presença de Mateo remete à quebra de gênero, tão perfeito, tão necessário, tão natural. O baixo de Gomes vai no peito, junto da batida dos tambores tribais. A guitarra de Andrei encaixa onde antes faltaria ousadia, dando ao som deles algo que só o Rock é capaz de fazer. Juliana canta com o a certeza da certeza, não tem um adjetivo melhor. É certeza de que te fará sorrir, chorar, dançar, sei lá porra. Teríamos alguma chama? Algum vínculo? Algum respeito? Alguma amizade? 

Nosso primeiro show foi em Araras. Montamos um palco e ficou decido que abriríamos o evento, que foi batizado de "Algo Espetacular". Para mim o show foi ruim. Fazia tempo que não subíamos num palco e logo na primeira música a energia caiu. O dono do som era um cara escroto, mal humorado e grosso. Nosso roadie, o Leo, estava aprendendo como lidar conosco e como era nosso som. Acabou nosso show e eu fiquei emburrado num canto, vendo a Francisco El Hombre voar no palco. A melhor coisa desse dia foi conhecer a Jú. Diz ela que eles - os meninos da banda - sempre falavam de mim. Eu sempre via o seu trabalho através da Lisabi e da Mataram Meu Mestre. Mas, como eu disse acima, a Jú tem aquele olhar que intimida. Nunca tive a moral de chegar nas noites que a cruzei e falar "oi, eu sou o Pompeo e admiro o seu trabalho". Sempre tive a impressão de que seria mal interpretado. Quando, de fato, eu sou apresentado a ela, recebo um abraço que me envolve todo e vejo um sorriso largo por trás de seus óculos. Jú diz "poxa, finalmente te conheço". Eu digo o mesmo e embalamos num papo sobre aquele filme da pixar, o Divertidamente. Entre tragos, vou percebendo que essa moça forte, que intima e etc, na verdade é um pão açucarado, cheio de ternura, de um papo maravilhoso. Foram várias as vezes, dali pra frente, que conversamos sobre coisas relevantes e revelantes: trabalho, sociologia, e cosmos. Nunca vou me esquecer. Citando uma letra de uma canção minha, eu disse "eu não me encaixo em nada". Ela respondeu, com aquela ternura atras dos óculos: "ninguém se encaixa". 

Ora, foram 12 shows. É claro que eu não faço a menor ideia de quais foram as 12 cidades. Apenas me lembro vagamente de algumas e lembro pra valer das que valeram demais. Amparo foi massa. No meio de uma praça em pleno domingo. Havia uma geladeira no camarim e fui buscar cerveja com o André. Acho que foi uma das primeiras vezes, depois de toda a treta, que ficamos sozinhos. O papo? Star Wars, o Despertar da Força. Alguma coisa ali começava a nascer. De repente eu não via a hora dos próximos eventos e começava a ficar triste com cada um que acabava, pois avançávamos para o fim. Todos os encontros eram recheados com gargalhadas épicas, muito amor e respeito. Eu fui perceber isso aos poucos. Eu tinha medo de ser humilhado por eles, pois talvez essa era a minha maldade humana - eu humilharia se estivesse na posição deles? A cada show isso foi caindo por terra. Toda vez, do palco, eu os via ali, curtindo, prestando atenção, batendo palmas, e no fim da turnê ouvi da boca deles "a música de vocês é de tocar na alma, é linda demais, de tirar lágrimas". 

Daí fomos pra maior viagem de todos os tempos: praia! Quem não gosta? Dois shows, um em São Sebastião e outro em Ubatuba. O de S.S foi também numa praça, no centro, num auditório lá na puta que pariu. O espírito de trabalho reinava. Todo mundo fazia tudo, de buscar uma água a ajudar na equalização do som. Certa hora eu disse que havia um vidro quebrado para ser varrido, fui correndo atras de uma vassoura, mas o Gomes berrou "Pompeo, pede pra outro, você está ajudando no som e o tempo está acabando". Olhei pro André, que buscou a vassoura e entregou a Mateo, que varreu o chão. A humildade pairava. Gomes é um guerreiro. Linha de frente. Líder nato. Trabalho é seu nome. O primeiro a ir para o local do show em Ubatuba, junto de Leandro e Mateo. Chegamos depois para constatar que havia um pepino daqueles. O som não rolava! E Gomes ali, santa paciência. Eu já tinha largado há tempos. Põe P.A, troca P.A, vai pra lá, pra cá, liga esse cabo e nada dos retornos falarem. Eu, que não consigo disfarçar por nada nesse mundo, fiquei num bode daqueles. Mateo perguntou "pode ser assim, Pompeo?" eu respondi "fazer o que, se tem que ser assim, vai...". Ele me olhou com uma cara de ternura, como se doesse nele. Depois me encontrei na rodinha dos malandros e tudo voltou ao normal. Esse meu jeito é foda... Em Salto o dono do som perguntou para alguém se o som tinha melhorado para o estrelinha. Claro, eu. Caiu do cavalo, se levou para o lado pessoal... Depois do show dei um abração nele e agradeci pela oportunidade e pelo trabalho. Coisas que você aprende com a FEH. Ainda em Ubatuba, duas noites muuuuuuito bem aproveitadas pelas duas bandas. Nós, a FEH, Chistian Camilo (o Tita), o Leo e a Jessy e a Poppy. Jessy é esposa do nosso baixista, o Bier. Poppy é a filhinha dela, que acabou por virar mascote da turnê. No primeiro dia matamos 4 caixas de cerveja. No segundo mais quatro. Tive a honra e prazer de cozinhar um rango vegano para todo mundo. Fizemos um mergulho noturno - eu, o Gomes, a Jú e o Leo. Na verdade o Leo só molhou os pés. Mas ver aquele céu estrelado numa madrugada foi de ter várias certezas para a vida toda. Impossível de contar aqui.  O show de Ubatuba foi numa espécie de aquário, chamado Projeto Tamar. Tudo muito lindo até eu ver as tartarugas marinhas vivendo em cativeiro para "conscientizar" a população. Por um lado, é válido. Fui ver as bichinhas. Colou um técnico monitor do meu lado. Eu perguntei o tamanho do aquário, ele disse as medidas. Eu fiquei olhando com a maior pena do mundo para elas. Ele disse, "porque, você acha pequeno?". Respondi sem pensar duas vezes "acho". Travamos uma batalha de argumentos e ninguém convenceu ninguém. No fim das contas, com o microfone ao meu lado, eu disse "essa música vai para as tartarugas, que têm que ser presas para conscientizar o ser humano". 

Logo em seguida veio o show em Campinas, na Concha Acústica do Taquaral, junto da banda Vanguard. Mais uma vez Gomes, o guerreiro, estava lá antes de todo mundo. Com ele estava o Mateo. Quem vê o garoto de vinte e poucos anos no palco não imagina que ele é uma formiga. Cheguei depois da parte chata ter rolado. Havia 4 mil pessoas confirmada no facebook, mas a gente nunca sabe né... O Vanguard chegou para passar o som e eu reconheci imediatamente Hélio Flanders. Cumprimentou todo mundo e foi se aprumando. Fui para a mesa de som com o Leo. Fiquei viajando no modo do técnico de som deles trabalhar. Espetou um pen drive na mesa e tava tudo pronto, era só ajustar. Mais tarde, no camarim, conversamos muito sobre isso. Com o Hélio eu só dividi a malandragem. Na verdade aquele camarim tava uma parada daquelas. Até homus tinha pra mim! E malandragem pra todo lado. O show foi muito bom. A FEH arrebentou e o Vanguard me prendeu a atenção do começo ao fim. Certo momento Gomes se apoiou numa caixa de som e disse "olha só o que fizemos, olha quanta gente". A Concha estava tomada. Eu, cético e cuzão como sempre, pensei "fizemos porra nenhuma, essa galera veio pra ver vocês de o Vanguard". De qualquer modo, não fizemos feio e fomos bastante aplaudidos. O DJ Xegado tocou "Check My Machine" do Paul e ganhou meu respeito eterno. Campinas havia, mais uma vez, ganhando uma bela tarde de domingo. Ah, não havia sequer um segurança. Foi paz sobre paz. Segurança é pra festa de coxinha. 

Daí, entre tantos, fomos para Franca. O último show. Logo pela manhã fomos à casa dos irmãos Piracés. Fui convidado por Sebastian a tomar um cafézinho. Na verdade eu me convidei. O lugar é realmente lindo e mais uma vez eu confirmei a humildade desses garotos. Seb sempre me tratou muito bem. Talvez eu até tenha falado alguma merda, como um papo sobre deus ou essas coisas, mas eu sei lá... Parece que os caras me entendem - e não me julgam. Sebastian é um doce. Cheguei nele. "Cara, você gosta mesmo do nosso som?". "Claro que sim, pq?" . "Sei lá... Insegurança mesmo". "Mas eu também sou inseguro... Eu não acredito quando dizem que o show foi bom. Eu não gosto muito das pessoas falando, porque parece que estão dizendo só para fazer eu me sentir bem". "Eu sinto a mesma coisa!". "Isso é um resultado natural para pessoas como nós, que tem a coragem de subir num palco e fazer a própria arte". Aquilo foi direto no peito. "Coragem". O Guerreiro do Gomes tinha luxado o pé e havia ficado em São Paulo. As 20 horas Gomes estava entrando no recinto, com o pé enfaixado, gelo, e um sorriso largo. Pegou um ônibus e voou para Franca. "E eu ia perder essa vibe?". O Andrei é um homem ímpar. Namora a maravilhosa Juliana e só de ter um tempo tão duradouro com ela é algo de tirar o chapéu. Como eu disse e volto a dizer, a Jú é foda ( no bom sentido, sempre). Uma vez eu perguntei "vocês brigam?". Os dois responderam "ô!". Um casal modelo. É maravilhoso estar entre eles. Antes de nós uma surpresa: Larissa Baq. Com um pedal de looping a moça fez o que muita gente não faz. Foi lindo de morrer. Depois viemos nós.  Fizemos o nosso melhor show da turnê. Antes de subir no palco, a Jú (mais uma vez ela) veio dizer palavras doces para cada um de nós. Fizemos uma rodinha e o Publio disse "conseguimos, 12 shows". Cai em prantos. O chorão sempre sou eu. Depois do show fizemos aquela festa ao som da Francisco El Hombre. Franca, definitivamente, é a cidade mais interessada a artistas independentes. Foi demais!

Terminamos a turnê feliz da vida. Por conhecer a FEH. Por termos a oportunidade de nos reconhecer como fiéis aventureiros corajosos da arte. E, por fim, sair com a ideia de um terceiro disco. Afinal, pra que mais serve essa coisa toda? 

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